Nem monstros nem coitadinhas
Bruno Garschagen
24.04.2006 | Uma pesquisa feita pelos antropólogos Thaddeus Blanchette e Ana Paula da Silva muda completamente a análise da prostituição no Rio de Janeiro. Em seu trabalho “Nossa Senhora da Help: sexo, turismo e deslocamento transnacional em Copacabana”, eles derrubam quatro mitos disseminados pelas autoridades e assimilados pela sociedade. Segundo o estudo:
O estrangeiro não é o grande vilão na relação com as prostitutas;
A maioria dos turistas estrangeiros que se relaciona sexualmente com prostitutas brasileiras não é, necessariamente, um turista sexual;
Não há relação necessária entre migração de prostitutas brasileiras para outros países e o tráfico internacional de mulheres;
Durante três anos, Thaddeus e Ana Paula visitaram regularmente a boate Help, em Copacabana, internacionalmente famosa como o local ideal para um turista estrangeiro conseguir uma prostituta sem passar pelo constrangimento e pelos perigos das ruas cariocas. Ou “a Disneylândia brasileira do turismo sexual”, segundo a definição de um turista.
Conversando com clientes e garotas de programa, valendo-se da técnica antropológica de observação e participação, os antropólogos descobriram que, diferentemente do que se imagina, as prostitutas não são vítimas nem os “gringos” são seus algozes. “A relação é muito mais complexa”, explica Ana Paula. “As meninas sabem desenvolver estratégias para seduzir um estrangeiro e, com isso, ascender socialmente ou até conseguir um casamento.”
Os dois antropólogos, que são casados, conseguiram se integrar facilmente ao ambiente da Help graças aos seus biótipos: Thaddeus é americano, louro, de olhos azuis, o protótipo do turista sexual como nos é apresentado; Ana Paula é carioca e negra, tipo físico de boa parte das mulheres que ganham a vida em Copacabana. O casal era regularmente confundido com estrangeiro e garota de programa. Mesmo quando diziam serem antropólogos, muitas garotas não acreditavam.
No estudo desenvolvido para o doutorado em Antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e publicado na revista “Pagu”, os pesquisadores observam que a escolha dos gringos pelas garotas de programa é consciente e não tem relação nenhuma com a falta de informações ou baixa estima. “Num mundo onde o acesso ao exterior é cada vez mais restrito, especialmente para brasileiras pobres, estes homens aparecem como meio de abrirem as rotas para a Europa e os Estados Unidos, onde – no imaginário, mas também na experiência de muitas das meninas – as oportunidades existem”, escrevem os pesquisadores.
Soraia, prostituta de 25 anos, justifica: “Estou aqui em Copa porque gringo paga bem melhor pelo programa do que o brasileiro. Gringo tem coração mole, tem muito dinheiro e te respeita mais que brasileiro.”
Cuidado com a sorte
Há outro aspecto, segundo os pesquisadores, que derruba a tese politicamente correta da prostituta como vítima e do estrangeiro como vitimizador. Para as garotas de programa, explicam, o sucesso do casamento com um estrangeiro é importante, mas não encerra a questão. A relação por si só abre a possibilidade para essas mulheres se mudarem legalmente para outros países e, caso o matrimônio não vingue, possam trabalhar no exterior com uma remuneração muito maior do que no Brasil. “Longe de ser fruto de um aliciamento estrangeiro, namoros que resultam em viagens internacionais são cultivados por muitas garotas de programa em Copacabana, precisamente porque podem eliminar a necessidade de procurar a ajuda paga de terceiros na imigração ilegal”, diz o estudo.
Há também aquelas mulheres que vêem nos estrangeiros a possibilidade de deixar a prostituição. Numa atividade profissional de vida útil relativamente curta, na qual as garotas de programas com trinta anos já sentem o peso da idade e do desgaste turbinado por longas jornadas de trabalho e pelo consumo de álcool e drogas, as moças buscam no casamento uma oportunidade de uma vida estável e normal em outro país. Conseguem, assim, renascer socialmente e adotar a reputação de mulher normal. “É uma conduta que derruba a crença de que as prostitutas não tinham desejos nem agiam de forma consciente para conquistar parceiros de outras nacionalidades”, explica Ana Paula.
A possibilidade e a busca por um casamento com os clientes da Help são elementos presentes na vida dessas moças. Numa das primeiras incursões ao banheiro da boate, Ana Paula ouviu a conversa entre prostitutas que falavam de uma conhecida que havia "conseguido” um gringo e se mudado para a Europa. Num outro diálogo, verificou do que as moças são capazes de fazer para fisgar um estrangeiro. Dentro do banheiro da Help, a prostituta Paula conversa com uma funcionária:
- Você acha que minha barriga já está aparecendo?
- Você está ótima! Nem parece que está grávida.
A antropóloga, então, perguntou se a moça estava realmente grávida:
- Sim. Demorei seis meses para pegar aquele americano, mas finalmente consegui. Agora estou esperando ele voltar para os Estados Unidos para eu ir embora junto.
- Mas ele sabe que o filho é dele? Ele vai assumir? - insistiu a antropóloga.
- Lógico! Ele não é nem besta de não assumir. Estou cuidando muito bem do meu americanozinho aqui e vou para os Estados Unidos me casar com o pai dele - respondeu a moça, enquanto a acariciava a barriga.
A camareira, do alto de sua sabedoria marginal, aconselhou, então:
- Cuida mesmo, porque você teve uma sorte de ouro.
Meio fácil e rápido de obter sexo
O segundo mito que os pesquisadores derrubam é o de que o estrangeiro que se relaciona com uma prostituta é, a priori, um turista sexual. Não é. O turismo sexual, grosso modo, é colocado pelas autoridades e por boa parte da imprensa no mesmo caldeirão de iniqüidades de abuso de menores e tráfico internacional de mulheres.